
Nascida Marie Christine Gélin em Paris, Maria Schneider era filha de uma modelo de origem romena e do ator Daniel Gélin, que nunca a reconheceu, e fez pequenos papéis num punhado de filmes, antes de estourar em “O Último Tango em Paris”.
Maria só conheceu o pai aos 15 anos, quando fugiu de casa, mas a filiação a ajudou a conseguir emprego no cinema, como figurante, aos 17 anos. Ela estreou sem receber créditos no filme “Les Femmes” (1969). Seu nome não apareceu nas telas, mas foi reconhecido por Brigitte Bardot, a estrela do filme, que era amiga de seu pai. Sabendo de sua história, a estrela a convidou morar em sua mansão.

Seu primeiro impulso, ao ler o roteiro, foi recusar o papel, mas a agência William Morris lhe aconselhou o contrário: “É um papel de protagonista ao lado de Marlon Brando — você não pode recusar.”
Maria foi descoberta pelo cineasta Bernardo Bertolucci aos 19 anos na casa de Brigitte Bardot. Bertolucci viu naquela jovem ainda desconhecida, que circulava com intimidade pelos quartos da maior estrela da França, uma beleza capaz de incendiar o mundo. E imortalizou seu corpo de todos os ângulos, na história da tórrida relação entre uma adolescente e um viúvo americano de passagem por Paris, que transam sem se conhecer.

A fama do filme também pesou sobre a carreira da atriz, que passou a receber sempre ofertas de papéis de devassa. Dizendo-se manipulada por Bertolucci e traumatizada pelas cenas mais violentas – o estupro com manteiga não estava originalmente no roteiro e foi improvisado por Brando – , ela jurou nunca mais tirar as roupas no cinema e evitou falar sobre “O Último Tanto em Paris” por boa parte de sua vida.
Quando voltou a falar do filme, não teve palavras gentis para seu parceiro em cena nem para seu diretor. Em 2007, ela revelou, numa entrevista: “Marlon me disse na ocasião da cena com a manteiga: ‘Maria, não se preocupe, é apenas um filme’. Mas durante a cena, ainda que não fosse real, eu chorei lágrimas verdadeiras. Eu me senti humilhada e, para ser honesta, um pouco estuprada por Brando e por Bertolucci. Eu devia ter chamado meu agente ou um advogado, porque não sabia se devia fazer uma cena que não estava no roteiro. E, depois da cena, Marlon não me consolou nem se desculpou. Felizmente, tudo durou apenas um take”.

A atriz também estrelou “La Baby Sitter” (1975), último filme do mestre francês René Clément, que infelizmente fracassou nas bilheterias, uma maldição que acompanhou todo o resto de sua carreira.
Ela se envolveu com drogas, passou a ter comportamento errático e desenvolver fama de excêntrica. Em 1975, declarou-se bissexual. Escalada para viver uma das personagens principais de “Caligula” (1979), o épico erótico mais caro do cinema, deu chilique e disse que não tiraria a roupa nas filmagens. Acabou demitida e tendo um colapso nervoso. Saiu dos sets de filmagem diretamente para uma clínica psiquiátrica em Roma, onde passou vários dias acompanhada por uma mulher descrita como sua amante.

Numa entrevista dada mais tarde, Maria assumiu ter “perdido sete anos” da sua vida, entre o vício em heroína, overdoses, uma tentativa de suicídio e um internamento psiquiátrico.
Ao se recusar a mostrar o corpo, ela acabou por enveredar pelo nascente cinema feminista. Auxiliou o despertar sexual de uma dona de casa oprimida em “Io Solo Mia” (1978), drama pioneiro por ter uma equipe técnica composta só por mulheres, da diretora Sofia Scandurra à assistente de iluminação. Assumiu um romance lésbico com a holandesa Monique van de Ven no avançado “Een vrouw als Eva” (1979), um dos primeiros a mostrar de forma positiva um casal de lésbicas. Interpretou ainda uma prostituta sofrida em “La Dérobade” (1979), que lhe rendeu uma indicação ao César (o Oscar francês). Mas, paradoxalmente, encerrou sua década de glória como vítima de “Mama Dracula” (1980), uma vampira que precisava do sangue de jovens virgens, numa das piores interpretações de sua filmografia.

Maria Schneider continuou a aparecer no cinema e na TV até 2008, quase sempre em papéis secundários – entre eles, o da esposa insana de Edward Rochester na versão de Franco Zeffirelli para o romance gótico “Jane Eyre” (1996). Zeffirelli também lhe ofereceu o papel de Maria em sua minissérie “Jesus de Nazaré” (1977), mas ela recusou, prevendo a polêmica – uma decisão da qual ela se arrependeu.
Embora seja sempre lembrada pelo escândalo de “O Último Tanto em Paris”, a atriz emplacou outros cults em sua filmografia. Além dos dramas feministas já citados, fez o suspense surreal “Merry-Go-Round” (1981), do mestre francês Jacques Rivette, e a sci-fi “Bunker Palace Hotel” (1989), do autor de quadrinhos Enki Bilal, um dos fundadores da revista “Metal Hurlant” (“Heavy Metal” nos EUA e resto do mundo).
Seu último filme foi “Cliente” (2008), de Josiane Balasko. Na ocasião, lhe perguntaram que conselho daria para as jovens atrizes que estavam começando. “Nunca tire as roupas para velhos safados que dizem que isso é arte”, foi sua resposta.

por Marcel Plasse - jornalista que participou da geração histórica da revista Bizz, lançou as primeiras graphic novels no Brasil, foi um dos criadores da revista Set, especializada em cinema, trabalhou na Folha e no Estadão e edita o site Pipoca Moderna, onde foi publicada, originalmente, esta matéria.
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