sexta-feira, 5 de abril de 2013

Stoya™

Além de sermos mulheres e caucasianas, minha meia-irmã e eu não temos quase nada em comum. Ela tem um guarda-roupa cheio de roupas de marcas como J. Crew em cores neutras e tons pastéis. Ela tem o cabelo na altura dos ombros e, quando faz um rabo de cavalo, nenhum fiozinho fica fora do lugar. Ela saiu direto do colegial para uma respeitada faculdade particular ao norte do estado de Nova York e se formou em Língua Inglesa. Ela é extremamente simpática, atraente de um jeito todo norte-americano, tem um temperamento agradável e é uma ótima anfitriã. Você pode concluir isso só de ver a linda caligrafia dela nas listas de compras, passeios pela feirinha local de orgânicos e prateleiras de vinhos rústicos documentadas no Instagram dela. Ela gosta de Dave Eggers e David Foster Wallace. Acho que nunca vi ela usando um salto de menos de sete centímetros. Se a Martha Stewart conhecesse minha meia-irmã, ela ficaria com inveja do bom gosto dela.

Alguns anos atrás, o namorado de faculdade dela a levou num restaurante superbacana no dia dos namorados e a pediu em casamento entre o jantar e a sobremesa. O namorado vem de uma “família muito boa”. Ele é um fundo fiduciário livre de ironia em forma de rapaz. Depois do pedido, eles fizeram diversos jantares de anúncio de noivado. Depois veio a festa de noivado, que, por coincidência, foi no mesmo dia do lançamento da minha fleshlight. Passei boa parte da festa tentando achar um lugar sossegado para dar entrevistas por telefone, falando sobre o quanto eu estava feliz por ter meus orifícios reproduzidos em massa por uma empresa sensacional, assim qualquer pessoa com 80 dólares e um pau poderia viver a fantasia de meter na minha xoxota (ou acariciá-la com muito amor, o que você preferir).

Um dia depois da festa, minha meia-irmã começou a planejar o casamento com a mãe dela, a mãe do noivo e um bando de colegas de escola. Essas meninas eram todas simpáticas e lindinhas daquele jeito classe média branca indefinível, o que dificultava muito lembrar quem era quem. Uma pasta grossa cheia de cronogramas, referências visuais e catálogos de fornecedores virou companhia constante da minha meia-irmã. Um site fulanoamasiclana.com foi criado. Acho que nem o Code of Honor XXX teve tanto trabalho de produção quanto esse casamento, e eles usaram armas de verdade e explodiram várias coisas para o projeto.

Ficou decidido que o casamento aconteceria num hotel de Vermont que ficava próximo de uma floresta enorme protegida pelo governo. A cerimônia aconteceria ao ar livre, aos pés de uma colina do outro lado da rua do hotel, e a festa seria atrás do hotel, numa enorme tenda com piso de madeira. Minha meia-irmã tinha começado a trabalhar recentemente numa revista de estilo de vida chique. Várias colegas de trabalho dela e amigas casaram durante o ano e pouco em que ela ficou planejando seu casamento. Depois de cada uma dessas cerimônias, ela voltava com uma ideia de um novo toque decorativo para o grande dia. Duas semanas antes do casamento, ela acordou com uma necessidade desesperada de 40 pashminas verde-claro, para o caso de as pessoas ficarem com frio no jantar de ensaio, e mais 40 pashminas bege, no caso das pessoas ficarem com frio na festa. Ela queria que tudo fosse perfeito e parecia muito preocupada em impressionar a família levemente esnobe do namorado e seus amigos (às vezes muito) esnobes.

Ahhhh, finalmente nos aproximamos do conflito: Esse lado imediato da minha família – meia-irmã e meio cunhado incluso – aceitam a minha carreira. Eles me veem como uma pessoa de verdade que faz um trabalho legítimo, porém meio pervertido, e que mesmo tendo pouca coisa em comum, ainda temos respeito familiar mútuo. Minha madrasta não podia esperar para contar para as colegas de trabalho que eu tinha sido indicada como Nova Estrela do AVN em 2009. Desde que me mudei da casa dos meus pais, quase todo mundo com quem convivo pode ser classificado como parte da contracultura de alguma maneira. Tenho muita sorte de passar boa parte da minha vida em ambientes que me aceitam e me encorajam a ser quem eu sou. Geralmente não tenho escrúpulos em contar para as pessoas o que faço para viver, apesar de baixar a voz quando crianças estão por perto e de variar a resposta entre “atriz pornô”, “performer de filme adulto” ou “no negócio de mulher pelada”, dependendo das circunstâncias.

Mas ali estava eu, no dia mais especial da vida da minha meia-irmã. Pode me chamar de antiquada, mas acho que o foco de um casamente deveria ficar inteiramente na noiva, no noivo e na felicidade deles. Me parece que, para a maioria das mulheres, seu casamento é o dia em que elas podem ser princesas. Nada deveria estragar ou atrapalhar isso. A maioria dos manuais de etiqueta afirma tacitamente que os convidados não devem usar nem branco nem preto num casamento. O preto é desencorajado por parecer meio agourento, e o branco pode desviar a atenção da noiva. Infelizmente para mim, a Emily Post nunca disse o que se deve fazer quando se é uma atriz pornô indo a um casamento cheio de pessoas conservadoras que provavelmente ficariam muito ofendidas com a simples menção à pornografia, mas acho que é fácil adivinhar que ela aconselharia evitar dizer qualquer coisa que pudesse perturbar os convidados. Então achei um belo vestido cinza, me maquiei do jeito que vejo as mulheres maquiadas no metrô às sete e meia da manhã e fiz o melhor para me misturar. Note a completa falta de brilho no meu rosto na foto acima. Não usei nem um mísero par de cílios postiços. Me diverti pensando que estava fazendo cosplay de pessoa normal.

A cerimônia foi linda. Minha meia-irmã estava radiante, até me fez pensar no que eu poderia dar de presente nas bodas de prata deles. Depois todo mundo migrou para a área pré-festa para os coquetéis e lá o barman me fez um drinque de champanhe e conhaque. Uma mulher que estava perto de mim começou uma conversa e eu tentei ser simpática. Na verdade foi mais um monólogo.

Primeiro ela disse que era triste que o irmão da noiva não pudesse pagar por um terno tão elegante quanto do resto dos padrinhos. Me abstive de dizer que todos os ternos dos padrinhos vieram da mesma loja, a JoS. A. Bank, e que esse estilo específico tinha sido escolhido porque estava em promoção. Aí ela me disse como era estranho que o quarto marido da minha madrasta (meu pai) não morasse junto com a família. (Meu pai trabalha atualmente em Nova Jersey e viaja constantemente entre o trabalho e a casa da família.) Eu tinha decidido que não era uma boa ideia jogar meu drinque na cara da mulher e já procurava por uma desculpa educada para fugir quando ela jogou a bomba: “a escandalosa meia-irmã atriz pornô da noiva que tinha largado o emprego para fugir com o circo”. Parece que eu tinha me misturado tão bem que ela não percebeu quem eu era e que estava falando merda da minha família bem na minha cara. Ela continuou falando das falhas morais da tal meia-irmã (eu), incluindo a pergunta retórica de como alguém pode convidar uma vadia para o próprio casamento. Quando finalmente ficou sem ter o que fofocar, ela me perguntou de onde eu conhecia a noiva e o noivo. Eu disse que era secretária da tal revista chique, acenei exuberantemente como pessoa imaginária e dei o fora dali.

Acabei me misturando com os amigos de escola do namorado da minha meia-irmã. Todo mundo ali trabalhava de alguma forma com banco de investimentos. Todos sabiam sobre o meu trabalho, e eu tive que responder as perguntas usuais: “Você conhece a Jenna Haze?”, “Você já trabalhou com o Ron Jeremy?”, “Como você tem um namorado se está sempre transando com outras pessoas?”. Foi aí que me ocorreu que, para essas pessoas, a monogamia é o padrão de tudo. Elas seguem um plano rigoroso de vida do qual nunca se desviam. Elas vão direto do colégio para uma faculdade, encontram um parceiro antes ou logo depois da formatura, casam, mudam para Westchester ou Rockland County e têm os típicos dois filhos e meio. Eles fazem de tudo para esconder dos entes queridos seus vibradores e visitas a clubes de striptease. A carreira do homem geralmente é mais valorizada que a da mulher, e os papéis de gênero tradicionais são seguidos sem questionamento.

Estou generalizando, claro, mas estar de fora da heteronormatividade tende a vir com a necessidade de considerar as visões pessoais dos papéis em um relacionamento, de como nossa aparência afeta a maneira como somos percebidos, o que é o sexo realmente, o que significa monogamia e que arranjos são os melhores para nós. Caro (a Lésbica da Lingerie), Jiz Lee (que fez do “eles” um pronome singular), Buck Angel (o Homem de Vagina) e Queerie Bradshaw escrevem ou falam eloquentemente sobre ser (respectivamente) lésbica, genderqueer (alguém que não se encaixa nos gêneros socialmente definidos), transgênero e gay. Pessoalmente, só posso falar sobre ser uma mulher cisgênero (o que significa que me identifico como mulher e nasci com genitais femininos) que trabalha com pornografia, é um pouco vadia mesmo e ranqueia um dois na escala Kinsey (principalmente hétero, mas não inteiramente).

Para mim, aquilo que costuma ser descrito como traição é uma falta de respeito às fronteiras discutidas e concordadas pelos parceiros, ou um desrespeito das necessidades do outro que já haviam sido percebidas e expressas. Eu tive de aprender (magoando outras pessoas e sendo magoada) que a comunicação sobre os sentimentos e a definição de fronteiras para um relacionamento são muito importantes, e que essas fronteiras podem mudar durante o curso do relacionamento. Já tive muitos parceiros sexuais em situações em que nós dois sabíamos que aquilo era um caso de uma noite só ou sexo puramente casual.

Tive um namorado na Filadélfia que me pediu para não fazer sexo com outras pessoas no leste da Pensilvânia, sendo assim eu só podia transar com outras pessoas quando estivesse fora do estado. Tive uma namorada que não se importava se eu transasse com outros homens, mas que se sentia ameaçada se eu transasse com outras mulheres, então ela era a única mulher com quem eu podia transar. Teve uma pessoa que queria as terças-feiras reservadas só para ela, mesmo que não estivéssemos no mesmo lugar – não consegui lidar com isso, então não continuamos esse relacionamento. Tive namorados que não ligavam para o que eu fizesse, desde que eles fossem prioridade, e tive namorados que precisavam de monogamia fora do trabalho. Todas as vezes tivemos que discutir nossas definições e expectativas de sexo e relacionamento. Alguns viam qualquer excitação sexual como sexo, outros achavam que a penetração de um orifício era o ponto onde o sexo começava.

Durante o curso do nosso relacionamento, tive múltiplas conversas sobre fronteiras e sentimentos com o homem que estou namorando agora. Eu o chamo de “Paizinho” e, como você deve ter suspeitado, existem aspectos de troca de poder no nosso relacionamento. Eu sou dele. Meu corpo é dele, minha boca, minha vagina e meu cu são dele – e meu coração é dele. Consciência e envolvimento são importantes para nós dois. Se a vendedora bonitinha da minha loja de lingerie favorita flerta comigo e eu flerto de volta, eu conto para ele. Se quero beijar ou transar com outra pessoa, eu digo isso a ele. Quando vou trabalhar e faço uma cena de sexo muito divertida, eu conto isso detalhadamente sentada no pau dele à noite. Quando quero me masturbar, peço permissão e frequentemente descrevo o que está passando pela minha cabeça na hora ou mando fotos para ele pelo celular. Sempre agradeço a ele por cada orgasmo. De uma maneira diferente, mas bastante similar, ele me trata com o mesmo respeito. Através de tentativa e erro, decidimos que é assim que funciona nosso relacionamento.

Níveis de conforto e fronteiras são definições específicas para cada pessoa e relacionamento. Definições de sexo e infidelidade variam incrivelmente. E isso também vale para pessoas heteronormativas que valorizam e desejam a monogamia, e fico perplexa que a discussão dessas coisas seja negligenciada tantas vezes.

Siga a Stoya no Twitter: @Stoya

Fonte: vice

Nenhum comentário:

Postar um comentário