Gabriela Masson, ou Lovelove6, como é conhecida na internet,
não queria ser fotografada. Ela achava que seus olhos estavam inchados porque
havia terminado a noite anterior em lágrimas, após uma discussão sobre
feminismo. Suas publicações, aliás, abordam temáticas feministas. Lovelove6
quer quebrar tabus entre suas leitoras, mas, apesar de dominar a sexualidade
feminina em seus desenhos, falar sobre sexo ainda não é tão fácil. Em alguns
momentos, Masson deu risadas nervosas e precisou de pausas para falar o que
pretendia.
A autora da história em quadrinhos Garota Siririca, das
zines A Ética do Tesão na Pós-Modernidade I e II e de tirinhas do Batata Frita
Murcha estava em São Paulo para a segunda edição da Feira Plana, que aconteceu
no Museu da Imagem e do Som. Gabriela, que tem 24 anos, montou a banca Femizine
com colegas da Zine XXX, grupo de mulheres jovens desenhistas.
Gabriela contou à Fórum porque assina como Lovelove6. Aos 15
anos, enquanto acessava um site de pornografia, uma publicidade mostrou a
mensagem: “Lovelove6 quer conversar com você”. Claro que ela não acreditou, mas
gostou do apelido.
Fórum – Você desenha para o Batata Frita Murcha, faz a
Garota Siririca e tem dois volumes do zine A Ética do Tesão na Pós-Modernidade.
Qual desses faz mais sucesso?
Gabriela Masson (Lovelove6) – Bom, acho que os três são bem
sucedidos. O Batata Frita circula bastante pelo Facebook, gera uns likes e tem
bastante popularidade. Mas é bem abstrato esse lance de likes. O “Ética” já tem
um alcance mais real. Eu lancei o primeiro volume em março do ano passado, na
Feira Plana I, e desde então acho que já fiz umas 700 cópias e vendi tudo. A
segunda edição também está vendendo bastante. A Garota Siririca tem um alcance
especialmente entre os quadrinistas, apesar de que muita gente conhece. O
Batata Frita Murcha, menos.
Fórum – Para muita mulher, é difícil confessar esses
interesses em masturbação e sexo. E então vem a Garota Siririca. Para você,
ainda é difícil falar sobre sexualidade ou com a Garota Siririca você rompeu
obstáculos?
Lovelove6 – Falo sobre sexualidade, mas me preservo. Não
gosto de falar sobre a minha prática sexual individual, porque acho que não vem
ao caso. Mas rola uma necessidade de haver algumas abordagens. Faço quadrinhos
sobre sexualidade e voltado para mulheres. Ao longo do meu crescimento, o que
reparei é que, por exemplo, eu não me masturbava até os meus 20 anos. E minhas
amigas também não. A maior parte das meninas que conheço diz que não curte
masturbar, mas adora sexo. Então comecei a reparar que era um pouco
contraditório isso, sabe? E depois que eu passei a (pausa)… Me masturbar…
Fórum – Meio difícil falar sobre isso, né?
Lovelove6 – Não sei, foi isso que me motivou a fazer a
Garota Siririca. Depois que comecei a sacar como funcionava um orgasmo, com uns
20 anos, comecei a perceber que a maioria das minhas amigas nunca tinha gozado.
E que a maioria das mulheres também não. Passei por maus momentos de chegar a
pensar que eu era a mulher frígida. Alguns homens já vieram falar mal de mim
por causa disso. Amigos faziam fofoca, falavam que eu era estranha. Reparei que
era um problema meu, porque não me compreendia muito bem, como meu corpo
funcionava. E também era um problema deles e dessa sociedade no geral porque é
um “tabuzão” mesmo falar de siririca. Senti a necessidade de fazer a Garota
Siririca para compartilhar e tornar isso um assunto mais natural, para a gente
conversar sobre isso melhor. Porque os homens estão se masturbando desde os
oito anos de idade, e as mulheres não. Isso faz toda a diferença.
Fórum – Você falou em uma entrevista que a Garota Siririca
te ajudou na ruptura dos limites do espaço restrito em que a sociedade quer
fazer caber sua experiência feminina. Você acha que também está ajudando outras
mulheres? Está vendo resultado?
Lovelove6 – Eu estou, na verdade. Não sei exatamente que
reflexo a Garota Siririca tem na prática das pessoas, não sei se realmente mais
meninas passaram a se masturbar, a se conhecer e a conversar sobre isso com as
amigas. Mas, no meu círculo social, tenho falado mais sobre isso com as minhas
amigas e, pra fazer a Garota Siririca, preciso fazer pesquisas. Então, além de
conversar, preciso praticar também para saber o que acontece, para ter mais
ideias. Tenho descoberto uns tópicos que não são falados quando a gente fala de
siririca. Por exemplo, tive uma conversa com uma amiga que teve o primeiro
orgasmo dela recentemente. E ela veio me falar que não gostava de se masturbar
porque não conseguia chegar ao orgasmo, só chegou através da penetração.
Comecei a falar: “Cara, talvez a respiração… Se você respirar mais rápido ou,
de repente, mais devagar. Se você tentar contrair os músculos”. E a gente se
deu conta de que isso não são dicas que as pessoas dão uma para a outra. A
gente acha que é só um estímulo direto e cabuloso ali, super rápido e que vai
acontecer. E na verdade, não.
Fórum – Você acha que falta poder para as mulheres? Tanto em
relação ao próprio corpo, quanto ao espaço público?
Lovelove6 – Total. Acho que a gente vive em uma situação de
extremo cerceamento do próprio corpo. Como se a gente não tivesse liberdade
mesmo sobre o próprio corpo. Isso se reflete de maneiras bem objetivas tipo
violência e hostilidade na rua, coisa que a mulher sofre por uma questão banal
como os pelos. Se a “mina” não depila a perna, se não depila o sovaco, está
sujeita a apanhar na rua. E isso acontece, na verdade. As pessoas vão
hostilizá-la, ela pode apanhar na rua. É fato. As meninas que cortam o cabelo
curto e têm uma aparência mais “sapata”, por exemplo, quando sofrem violência é
um exemplo de total falta de liberdade sobre o corpo. Muitas vezes nem depende
da orientação sexual da menina realmente, porque ninguém sabe só olhando para a
pessoa. Presumem uma série de coisas a respeito por causa de um visual que uma
mulher não deveria ter.
Acontece esse tipo de violência, de hostilidade, de
marginalização. Acho muito sério. Os pentelhos são a coisa mais visível, mas
isso se estende até a prática sexual dela. Por isso não conhecemos o nosso
corpo e também não querem que a gente conheça. Tem um movimento contrário, para
que a gente reconheça o nosso corpo como sujo, vergonhoso e nojento. A
sociedade no geral acha o nosso corpo bem nojento. Por isso fazem essas
pressões para depilações extremas e constantes, e sabonetes íntimos com
cheirinho de margarida. Isso é bem sério. Se você reflete, não só como as
mulheres, mas como lidam no geral com o corpo das mulheres. Quando o homem está
transando com uma mulher e se recusa a fazer um oral porque sente nojo. E as
pessoas falam que sentem nojo e que não curtem como se fosse muito natural. É
extremamente bizarro, na verdade.
Fórum – Então, sexo combina com política?
Lovelove6 – Total. Sexo é política. Tem tudo a ver.
Fórum – Você acha que falta liberdade sexual no geral ou é
só no meio feminino?
Lovelove6 – Eu reconheço que existem problemas em relação
aos homens também. Tem partes do corpo dos homens que são tabus. Por exemplo, a
menina lambe o mamilo do cara e ele fica “travadão” porque isso é “meio gay”.
Acho que os caras estão bem oprimidos na verdade. Mas como estão numa posição
de dominância em relação às mulheres, não sei se não percebem, se não se
importam, ou se não faz falta, mas acho que eles também aproveitam muito pouco
do seu próprio corpo.
Lovelove6 – Isso é bem complicado. Porque pornografia tem um
reflexo muito sério. A maneira como a indústria pornográfica produz é muito
cruel e perigosa. A verdade é que, como não tem educação sexual nas escolas e
como isso é tabu dentro da família, a gente acaba aprendendo sexo através da
pornografia. E a gente acessa a pornografia mais comercial e hegemônica
possível. Indústria pornográfica é um problema a ser discutido. Reconheço que
faço coisas que podem ser pornográficas, mas acho que não dá pra falar da
indústria se a gente não se atentar aos objetivos com o qual essa pornografia é
feita, e que ideologia ela está veiculando. Também não sou contra, na verdade.
Consumo pornografia, consumo algumas bem hegemônicas, do tipo conflitante pra
mim. Consumo coisas que não têm nada a ver com minhas práticas. Tesão é algo
muito difícil de se politizar completamente, e acho que não é algo
absolutamente controlável. Mas entendo que tenha alguns reflexos na prática.
Consumo pornografia, mas a pornografia que eu faço tem outra abordagem, porque
tenho consciência para não deixar a pornografia que consumo se refletir da
maneira que os produtores querem que ela se reflita na minha prática. Tenho que
entender que isso é um produto, entender quais mensagens estão veiculando.
Fórum – Fora a indústria, queria saber mais sobre a mídia.
Revista de mulher nua, revista sobre sexo, blog sobre sexo. Você acha que eles
deveriam ter abordagem política ou podem ser puramente eróticos ou
pornográficos?
Lovelove6 – Não, acho que não tem essa de puramente pornográfico
ou puramente erótico. Você está sempre veiculando alguma ideia. E essas ideias
de sexo são especificamente machistas, ou feministas. Porque em revista de
mulher pelada as “minas” estão lá todas magras e depiladas. Os caras estão
cheios de Photoshop. Tem esse lance de transformar completamente o corpo da
mulher. E então os caras estão achando que na cama vão encontrar isso, e vão
agir que nem o cara que eles viram no vídeo. E as meninas vão se sentir um lixo
na hora que tirarem a roupa, porque elas não são essa mulher da capa. Acho tudo
muito prejudicial, mas não pela coisa em si, acho que é prejudicial pela falta
de informação, pela formação política a que as pessoas não têm acesso. Esse
lance de não associar pornografia com política não existe. Está extremamente
associado, até porque é pelo sexo que as mulheres são dominadas. Essa é a
grande desculpa para a gente ser dominada. Através do casamento, através do
estupro. Sexo é uma estratégia política. A maneira como você pratica ele é uma
estratégia.
Fórum – O que você acha de objetificação sexual? Caso seja a
mulher ou o homem que se objetifica, é aceitável?
Lovelove6 – Não acho que é errado ter fetiche
sadomasoquista, essas coisas. Na hora que estamos praticando isso, temos que
ter consciência de que a gente está numa sociedade que entende a mulher como
submissa. Então, por exemplo, na cama com meu parceiro eu quero ter um lance de
submissão, onde sou submissa. Mas quero que meu parceiro saiba que isso é um
lance só na cama, que na nossa relação cotidiana ele não pode fazer isso
comigo, e que isso não significa que sou uma pessoa submissa. Isso não pode ter
um reflexo além.
Lovelove6 – Talvez seja, não sei (Risos). Tipo assim, não
sou sexóloga. Estou falando sobre sexo, mas não tenho uma formação de
psicologia. É saudável dar prazer para as pessoas, se elas se sentem felizes.
Isso não pode ser feito de maneira acrítica, você tem que estar questionando o
tempo inteiro. Sempre me questiono nas posições em que me coloco, sempre
converso com meus parceiros e parceiras sobre esses lances. Para que o que a
gente faz na cama seja compreendido como jogo de sexo, e não algo que vá me
definir.
Fórum – O movimento LGBT ainda tem muita dificuldade de
compreender a questão bi e as pessoas trans, no geral. O que você acha disso?
Lovelove6 – Estou um pouco afastada dos movimentos LGBTT, na
verdade.
Fórum – Você é mais ligada ao feminismo?
Lovelove6 – Sim. E meu feminismo é inclusivo, na verdade.
Quero praticar um feminismo que seja solidário às mulheres negras, às pessoas
trans e às lésbicas. O que está acontecendo no movimento LGBTT é o
questionamento em relação à dominância dos homens gays. Muitos desses homens
gays são misóginos, machistas, e não contemplam as pautas lésbicas e as pautas
trans. Dentro do feminismo também existe esse problema. O feminismo radical
entra muito em conflito com a questão das transexuais. É realmente difícil, é
meio complicado. Esqueci a pergunta, desculpa, repete pra mim?
Fórum – Se você realmente acha que o movimento LGBT tem
dificuldades de compreender as pautas das pessoas trans e bis.
Lovelove6 – É, tem, na verdade. Mas acho que é melhor não
falar isso (risos).
Fórum – Por que? Pode falar.
Lovelove6 – De uns anos para cá, a gente tenta explorar mais
a questão trans. Conhecer e entender as pessoas trans. E só recentemente que as
pessoas trans começaram a ter um pouquinho mais de liberdade para viver como querem
viver. Acho que um movimento só não pode contemplar todos esses corpos que são
muito distintos, sabe? O movimento unificado LGBTT. Porque uma pessoa trans não
é exatamente uma pessoa gay. Entendo que o movimento LGBTT tenha sido muito
importante nos anos 80 e 90, mas talvez agora realmente precise haver algumas
distinções, umas separações. Não no sentido de cortar o diálogo, mas para que
esses grupos específicos possam se fortalecer sobre isso. Até porque tem muitas
pautas em comum, mas tem muitas pautas muito específicas também.
Fórum – Entendi. Então talvez as pessoas trans podem se
encaixar com os não-binários.
Lovelove6 – Ainda tem essa questão queer. Tem pessoas que
não querem ser reconhecidas nem como homens, nem como mulheres. E isso não tem nada
a ver com a orientação sexual dessas pessoas. Precisa haver grupos que possam
discutir essas questões específicas. Ao mesmo tempo, precisam desse diálogo
constante porque são minorias e precisam fazer número para conseguir ter uma
expressividade nas práticas da sociedade. Acho muito genérico e abstrato o
movimento LGBTT, mas reconheço que precisa existir enquanto não houver uma
solução. Acho muito complicado falar sobre isso porque não sou trans, não sou
lésbica, e atualmente estou me relacionando com um homem. Vivo os privilégios
de uma menina hétero. Poucas vezes consigo me relacionar mais profundamente com
uma mulher. Então não sei realmente como é estar inserida nesse movimento
LGBTT. O que falo é do contato que tenho por ser bissexual e pelo o que vejo
das minhas amigas lésbicas e trans falando sobre o movimento LGBTT.
Fórum – Você acha que as críticas de que o movimento
feminista é muito conservador são válidas? Ou são “male tears”? Em relação às
trans, a piadas e ao sadomasoquismo.
Lovelove6 – Não acho que são válidas, mas também não acho
que são male tears. O movimento feminista é muito mal compreendido em geral,
até por muitas meninas que se dizem feministas. O movimento é muito plural.
Existem várias vertentes de feminismo, ele não é uma cartilha. Não existe uma
bíblia, como existe a bíblia do comunismo. E acho que todas têm abordagens
muito válidas, na verdade. Feministas radicais, transfeministas, feministas
negras… E elas divergem muito entre si. Na verdade, esse é um ponto forte do
feminismo. A gente está sempre se questionando e tem sempre um diálogo forte
entre as feministas. Por mais que tenha conflitos e embates teóricos fortes,
esse movimento está sempre se renovando… Por exemplo, um dia foi só feminismo
radical, depois o movimento lésbico, aí veio o transfeminismo, e então as
feministas negras começaram a falar que esse feminismo não as contemplava… Acho
isso importante. Acho que as pessoas têm uma visão muito estereotipada do que é
feminismo. Ou é essa menina que não gosta de nada, não tem senso de humor, que
odeia tudo, odeia todos os homens. Ou é essa mina que tem que ser muito livre,
muito louca. Tenho essa impressão. E na verdade não, falar de pornografia
dentro do feminismo é polêmico para as próprias feministas, e isso é uma construção
constante que as feministas fazem entre elas. Existem as que são a favor e as
que são contra. Existem as que fazem pornografia feminista, e aí existem as que
odeiam essa pornografia feminista porque ela ainda é pornografia.
Acho uma grande merda o lance das piadas. Acho que não deve
ser feito mesmo, com nenhum tipo de corpo. São pessoas muito medíocres que
fazem esse tipo de piada. Estou esperando as pessoas começarem a fazer piada
sobre os homens brancos, que a gente não vê nenhuma.
Enfim, acho que as pessoas precisam estudar feminismo. E
isso não é ficar no Facebook, em uma discussão interminável sobre pentelho ou
sobre Miley Cyrus. Estudar feminismo é você trazer os teóricos feministas e
saber de onde é que está surgindo essa ideia. E ir atrás de estudar sobre
colonialismo, racismo também. Porque feminismo não é só uma questão específica
de mulher trabalhar, ou de mulher conseguir um espaço específico. Não é só
sobre estupro. Tem muitas questões que precisam ser contempladas para se ter
uma visão mais universal, mas ao mesmo tempo específicas das pautas feministas.
E você precisa se posicionar. Entro em conflito porque me identifico muito com
abordagens radicais, ao mesmo tempo não quero excluir pessoas trans e quero me
solidarizar com as companheiras negras. Então não sei, é difícil mesmo. São
vertentes distintas que eu simpatizo. Não é um problema para as feministas, mas
você está constantemente se autoquestionando e se desconstruindo para se
construir de outra forma. E as pessoas não têm essa compreensão, acham que você
é feminista como se fosse comunista. Como se já tivesse a cartilha
estereotipada.
Fórum –Você foi bem aceita na cultura das zines?
Lovelove6 – Fui porque estou em um espaço muito privilegiado
em Brasília. Dentro do meu curso existe uma mentalidade mais libertária, um
pouco mais politizada, simpática ao feminismo. Tantos os homens quanto as
mulheres do meu curso, a maioria, reconhecem a necessidade de discutir essas
coisas. E são conversas comuns que a gente tem. Então comecei a fazer zines
entre pessoas que também desenhavam, que faziam zines comigo. Também existiam
outros grupos como a Revista Samba, que abriram o ateliê para a gente, que
faziam o contato direto, que eram nossos amigos. Fui acolhida e incentivada a
fazer. Rolavam pressões para que eu começasse a fazer quadrinhos quando ainda
estava meio incerta sobre o que fazer.
Fórum – Então tem uma cena feminista forte na cultura das
zines?
Lovelove6 – Não tem, na verdade. Existe muita zine política,
muita zine feminista sim. Mas a maioria… Ai, não sei, espera. É que estou
pensando em quadrinhos especificamente. O próprio suporte da zine parte da
cultura punk, do “faça você mesma”. Então, meio que as garotas já se empoderam
desse veículo. Existem mesmo no Brasil muitas zines feministas, uma cena meio
forte. Mas vai depender muito do conteúdo da zine. No meu pequeno núcleo de
quadrinhos, abordagens feministas não são muitas, na verdade.
Fórum – Li que teve um episódio de machismo em alguma feira
que você participou. Tem muito machismo nesse meio de quadrinista, desenhista,
cartunista?
Lovelove6 – Tem. A galera fala que não tem, mas tem sim. Na
hora do “vamos ver”, acontece uma série de episódios meio tristes. Esse que
aconteceu foi no FIQ [Festival Internacional de Quadrinhos], em Belo Horizonte,
e um produtor de quadrinhos estava lá representando um grupo. Ele fotografou a
virilha de uma cosplayer que estava vestida da super-heroína Estelar, a
mutante. Depois, fotografou a bunda de outra menina e postou na internet
fazendo chacota, ridicularizando-a. Rolou esse episódio e estava acontecendo o
movimento da zine XXX nesse momento, em que eu estava encontrando muitas
mulheres interessadas em fazer quadrinhos na internet, e isso revoltou a gente.
Porque essas coisas acontecem, e rola uma pequena repressão do tipo: ‘Cara, é
muito feio isso que você fez, apaga essas fotos’. Aí o cara apaga e está tudo
bem. Não está tudo bem, sacou? Isso é crime, na verdade. Se a menina quisesse,
ela poderia processar o cara. E isso é tratado levianamente por todo mundo,
porque ninguém quer entrar em conflito, todo mundo quer ficar amigo de todo
mundo. Manter uma boa vizinhança. E enquanto isso tem pessoas que estão sendo
oprimidas.
Fórum – Qual o perfil dos seus leitores, pelo contato com as
redes sociais?
Lovelove6 – Não sei, não dá pra definir. Não sei nem se a
maioria é de mulheres ou homens, isso acho legal. Talvez seja bem próxima a
quantidade de mulheres e de homens que curtem meus trabalhos. Não faço ideia da
formação política dessas pessoas, muitas vezes essas me adicionam no Facebook
porque viram um desenho meu e gostaram. Aí vou dar uma olhada no mural da
pessoa e tem coisas absurdas, racistas e homofóbicas. Fico: ‘Gente, como é
contraditório’. Não sei o que entendeu, não dá pra saber. Não sei a idade
também.
Queria muito que minhas coisas fossem acessadas por pessoas
mais novas, a partir de uns 13 anos. Talvez antes, mas acho que seria polêmico.
As pessoas começam a se entender como seres sexuais a partir dos sete anos. Em
Salvador, por exemplo, tenho amigos que perderam a virgindade com seis, sete
anos. Que tiveram relação sexual antes da masturbação, talvez. Então, acho que
tem que ser um assunto com o qual as crianças e pré-adolescentes entrem em
contato. Não acho que tem que ser restringido esse tipo de acesso, porque
acabam acessando internet e veem o pior tipo de pornografia. Queria que minhas
coisas fossem lidas por pessoas mais novas mesmo, de ensino fundamental, ensino
médio. De uns 13 aos 18 anos.
Ainda não consegui acessar esse público, o que não sei como
fazer, mas acho que seria importante, é especialmente aí que minhas coisas
podem ter um reflexo mais direto e mais saudável. Porque as pessoas a partir
dos 25 anos que estão acessando o meu trabalho já têm muita coisa construída,
tem que rolar um esforço para desconstruir essa série de coisas. Acho que
quando a gente é mais novo, como isso de masturbação com as meninas, poderia
evitar um monte de momentos terríveis na vida sexual delas. Por exemplo, elas
entenderem que não tem nada de errado com elas se elas não gozarem com o cara,
porque foi ele que não soube lidar com o corpo delas. Ou então saberem que não
precisam de um cara para gozar, na real. Para desmitificar esse lance da
penetração também. Que sexo tem que ter penetração, que para você se masturbar
e gozar tem que ter penetração. Quando a gente começa a se relacionar
sexualmente é quando a gente está mais vulnerável a ser violentada, e a violentar
também. Seria muito importante essas pessoas mais novas entrarem em contato com
minhas produções e outras produções, seria saudável.
Lovelove6 – Hm… Acho difícil.
Fórum – É uma construção social? A gente deveria romper
essas barreiras?
Lovelove6 – Total acho que é uma construção social. Mas é
uma prática muito difícil, porque ao mesmo tempo em que a sociedade estimula
que você seja monogâmica, existe uma pressão geral para que role traições.
Tenho vários pés atrás com Relações Livres também. Recentemente li um texto
sobre Relações Livres em que a pessoa tentou, mas não tem como se relacionar
livremente se você não está discutindo machismo. É um questionamento que não
estava sendo feito até então. Tenho muitos amigos que dizem praticar amor
livre, mas na verdade o que acontece é uma grande irresponsabilidade com o
outro. Você se exime da responsabilidade que você tem em fazer a pessoa ficar
bem. Enfim, monogamia pode ser uma prisão para muitas pessoas. Para você ser
monogâmico, poligâmico ou se relacionar livremente tem que ter responsabilidade
e compromisso. Tem que estar especialmente em diálogo com seu parceiro o tempo
inteiro, tem que compreender seus desejos. E aceitar, de repente, se você não
consegue ficar com uma pessoa só mesmo, por mais que você tenha esse instinto
de se apaixonar loucamente por alguém.
Você vai ter que começar a desconstruir certas coisas para
se sentir mais confortável em suas relações.
por Isadora Otoni
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