Para mim, a palavra feminista é repleta de conotações por vezes conflituosas. Quando as feministas lutam pelo direito de todos serem pagos de maneira justa, defendendo especificamente a correção das desigualdades entre o salário para mulheres e para homens, ou defendem o direito de acesso ao controle de natalidade para todas as pessoas com útero eu acho uma coisa maravilhosa. Quando as feministas perseguem alguém que não é biologicamente mulher ou infantilizam as mulheres que fizeram escolhas que as desagradam, eu acho muito ofensivo. Quando as feministas debatem se o ato de passar batom é algo que concede poder às mulheres ou não, eu acho trivial. Mas discordar de alguns dos extremos do feminismo não é a razão pela qual me sinto frequentemente desconfortável em me dizer feminista. Acho conflitante aplicar o rótulo a mim mesma porque raramente faço algo com o propósito específico de promover os direitos das mulheres. Mas evitar dar uma resposta direta sobre se sou feminista ou não é meio que fugir da responsabilidade. Me esquivar desta palavra, para mim, seria ignorar todas as mulheres que lutaram para me dar as vantagens que tenho hoje. Então aí vai: Oi, eu sou a Stoya. Minhas perspectivas políticas e eu somos feministas... Mas meu trabalho não é.
O conceito de escolha pode ser complicado. É diferente escolher entregar sua carteira para alguém que aponta uma arma para sua cabeça e escolher dar dinheiro a alguém por altruísmo ou por querer presentear essa pessoa. Há uma diferença análoga entre entrar para o trabalho sexual por pressões financeiras e falta de outras opções (seja essa falta percebida ou factual) ou se tornar um trabalhador sexual por exibicionismo, desejo pela experiência ou porque você quer mesmo, mesmo, mesmo transar com James Deen, Rocco Siffredi ou quem quer que seja.
Uso meu corpo para fazer pornografia de gênero binário e orientação heterossexual para uma produtora que visa ter o maior apelo às massas possível. Não concordo com tudo na maneira como a pornografia mainstream ou a companhia específica para a qual trabalho operam, mas escolho minhas batalhas. Consumo muitas calorias porque ossos protuberantes no quadril são mais preocupantes do que excitantes para a maioria das pessoas. Também cubro minha pele com uma quantidade insana de meleca com regularidade. Quando chego para filmar, eu me sento numa cadeira e deixo o maquiador e o cabeleireiro fazerem seu trabalho, o de me deixar com a aparência mais convencionalmente sexy possível. Esse processo envolve com frequência cílios postiços e babyliss. Quando eles acabam, eu geralmente calço saltos altos, alguma lingerie fantasticamente impraticável e, às vezes, outras peças de roupas coerentes com qualquer que seja o personagem que interpreto na cena que antecede o sexo.
Depois que o diálogo é gravado, transo com uma ou mais pessoas enquanto a equipe de filmagem captura tudo em vídeo. Meus parceiros sexuais diante das câmeras são pessoas com quem quero fazer sexo e, pelo menos espero, pessoas que querem fazer sexo comigo. Pelo menos uma dessas pessoas quase sempre tem um pênis e a cenas seguem certo arco narrativo. Elas começam com beijos que levam à remoção das roupas. Quando os genitais em questão estão visíveis, o sexo oral é realizado. A penetração sexual (especialmente pênis na vagina) vem depois, em várias posições. Às vezes, mais sexo oral acontece entre as posições e, ocasionalmente, algum sexo anal. Aí o performer masculino ejacula e a cena acaba logo depois, porque o clímax masculino é, bem, um clímax natural e as cenas de sexo em geral não pedem pela conclusão da ação ou um desfecho.
Como entretenimento, a pornografia mainstream é tão responsável por educar os espectadores sobre saúde ou etiqueta sexual quanto o Lions Gate é responsável por lembrar às crianças que não é certo matar outras pessoas, apesar do que elas viram no filme Jogos Vorazes. Não faz parte do trabalho do Michael Bay ou da Megan Fox mencionar em cada entrevista que robôs gigantes do espaço são ficcionais, nem é o trabalho de todo artista pornográfico discutir os protocolos de teste de saúde da indústria, ou como o consentimento é dado antes de cada filmagem. No entanto, sinto a necessidade de discutir esse tipo de coisa e outros artistas – como Jiz Lee, Danny Wylde e Jessica Drake – que sentem necessidade de destacar o contexto já disponível dos filmes adultos e fornecer um contexto adicional.
Adeus, britadeira: Os ângulos ginecológicos e as transas a marteladas do pornô tradicional nunca agradaram à sueca Erika Lust. Cansada de categorias como hardcore e extreme, ela decidiu investir em uma nova vertente erótica: a feminista. Nela, já lançou quatro filmes, três deles premiados no Feminist Porn Awards. Cabaret desire, um de seus filmes mais premiados, começa numa noite de leitura de contos eróticos. Erika conversou com a revista Tpm por e-mail e conta, aqui, que tipo de cena merece lugar nos seus roteiros. Também explica por que outras, como sexo anal e gozo no rosto, ficam de fora. “O sexo ainda é uma questão política.”
Tpm. Seus filmes foram pioneiros do pornô feminino. Acha que algum dia a distinção entre pornô para homens e para mulheres vai deixar de existir?
Erika.
Acho que o pornô sem rótulos de gênero seria bacana. Mas, honestamente,
a diferença de apelo e estética entre os dois tipos é tão evidente que
se torna difícil conciliá-los. Espero, em vez disso, que o pornô evolua
até uma variedade grande, para todo tipo de público. Hoje vemos uma
amostrinha disso na cena independente.
Que tipo de roteiro considera excitante para as mulheres? Não
posso falar por todas as mulheres, mas, na minha opinião, são as
situações em que a imaginação não precisa ir muito longe para atingir o
nível “muito sexy”. Cenas como: uma massagem que se torna sensual,
reencontrar um flerte antigo, ver alguém fazendo sexo, ir para a cama
com o vizinho com quem você fantasia há meses, essas coisas.
Você costumava assistir a filmes eróticos antes de começar a filmá-los? O que achava deles? A
pornografia mainstream que via quando jovem – e, mais tarde, na
universidade, quando estudava sexualidade e feminismo – era horrível.
Mesmo que o filme me despertasse alguma imaginação, o resto era péssimo:
o contexto, a fotografia, os personagens e o rumo do sexo. Tudo era tão
estéril e previsível, muito diferente das experiências reais de sexo.
Que filme a excita? Um dos meus favoritos é O amante (1992), de Jean-Jacques Annaud. Se passa no Vietnã, quando o país era colonizado pela França. É baseado na história real de um amor impossível entre uma francesa e um rico negociante chinês. A fotografia ainda prende minha respiração. Sua sensualidade é irresistível.
Que filme a excita? Um dos meus favoritos é O amante (1992), de Jean-Jacques Annaud. Se passa no Vietnã, quando o país era colonizado pela França. É baseado na história real de um amor impossível entre uma francesa e um rico negociante chinês. A fotografia ainda prende minha respiração. Sua sensualidade é irresistível.
Vê seu trabalho como algo político? Às
vezes, me sinto uma política quando represento o erotismo indie e
dissemino a mensagem de uma sexualidade favoravelmente feminina. Então,
de um modo estranho, minha formação em ciência política [Erika estudou
na Universidade de Lund, na Suécia, uma das mais prestigiadas da Europa]
me deu ferramentas valiosas para o meu trabalho. É triste dizer isso,
mas o sexo ainda é uma questão política.
Você tem duas filhas. Como planeja falar com elas sobre sexo e erotismo? Minhas
filhas são muito novas, então ainda não planejei essa conversa. Mas são
duas coisas diferentes e, por isso, pretendo falar sobre erotismo
somente após a terceira ou quarta conversa sobre sexo, quando sentir que
a base está sólida. Cada criança é diferente, então introduzir esses
tópicos vai depender do desenvolvimento delas, não da idade.
Na sua opinião, o que as mulheres têm a ganhar assistindo a filmes eróticos? Algumas mulheres tiveram experiências ruins com o pornô mainstream e simplesmente dizem: “Não é para mim”. Mas garanto que, se elas encontrarem alguma forma de erotismo que as agrade, o papel do sexo em suas vidas mudará drasticamente.
Na sua opinião, o que as mulheres têm a ganhar assistindo a filmes eróticos? Algumas mulheres tiveram experiências ruins com o pornô mainstream e simplesmente dizem: “Não é para mim”. Mas garanto que, se elas encontrarem alguma forma de erotismo que as agrade, o papel do sexo em suas vidas mudará drasticamente.
Seu último filme, Cabaret desire, venceu cinco importantes prêmios do cinema pornô até agora. Como é ser tão reconhecida como uma das melhores criadoras em sua categoria? Quando você tem vontade e paixão por uma coisa que ninguém mais está fazendo, no começo pode parecer que está nadando contra a corrente, fazendo algo solitário e exaustivo. Por isso, conquistar o reconhecimento com Cabaret desire foi incrível. Além dos prêmios, sou sempre grata aos fãs, que demonstram gostar do que estou fazendo. Isso me impulsiona.
ÉPOCA - Por que a senhora decidiu se dedicar à pornografia?
Erika Lust - Quando eu comecei a assistir a filmes pornôs, vi um mundo com o qual eu não conseguia me identificar. Sentimentos que eu não sentia, situações que não expressavam a minha sexualidade, nas quais as mulheres eram apenas objetos para o prazer dos homens. Eu não via as mulheres buscando o próprio prazer, não as via representadas da maneira que eu gostaria de ver. Mas, de alguma maneira, aqueles filmes me provocaram. Um ato sexual provoca você - aliás, essa é a ideia do pornô. Alguma parte de mim gostou do que viu, então, eu pensei “Por que aquilo não poderia ser diferente?”. E vi que poderia ser. Se eu posso fazer sexo da maneira que eu quero, por que não posso mostrar desse jeito?
ÉPOCA - Que elementos um filme tem de ter para ser definido como feminista?
Erika Lust - Quando eu comecei a assistir a filmes pornôs, vi um mundo com o qual eu não conseguia me identificar. Sentimentos que eu não sentia, situações que não expressavam a minha sexualidade, nas quais as mulheres eram apenas objetos para o prazer dos homens. Eu não via as mulheres buscando o próprio prazer, não as via representadas da maneira que eu gostaria de ver. Mas, de alguma maneira, aqueles filmes me provocaram. Um ato sexual provoca você - aliás, essa é a ideia do pornô. Alguma parte de mim gostou do que viu, então, eu pensei “Por que aquilo não poderia ser diferente?”. E vi que poderia ser. Se eu posso fazer sexo da maneira que eu quero, por que não posso mostrar desse jeito?
ÉPOCA - Que elementos um filme tem de ter para ser definido como feminista?
Erika -
Eu acho que não importa se chamamos um filme de “pornô feminista” ou
“pornô para mulheres”. Eu luto para as mulheres terem voz no audiovisual
adulto. A única coisa que importa é podermos falar. E eu sei bem o
que as minhas amigas e eu não queremos ver: caras mafiosos, armas,
prostitutas, mansões enormes, garotas com silicone, carros
esportivos.... Nós não precisamos dessas coisas para nos excitarmos. Nós
queremos pessoas reais, vivendo situações reais. Nós queremos saber por
que essas pessoas estão fazendo sexo.
ÉPOCA - Os pornôs feministas podem mudar a visão da sociedade sobre a sexualidade da mulher?
Erika - Nós vivemos hoje em uma sociedade “pornoficada”. A pornografia tem uma presença enorme na internet, é vista nos meios de comunicação de massa, enfim, ela saiu do armário onde esteve escondida por um bom tempo. Nesse contexto, é muito importante que as mulheres tenham uma postura crítica em relação a esse fenômeno. Os valores que são apresentados na pornografia devem ser continuamente analisados e questionados. O que os homens veem e aprendem com os pornôs nos afeta profundamente em nossa vida diária como mulheres. Muitos preconceitos contra a sexualidade feminina vieram do pornô, graças à ausência ou escassez de outras influências. Eu acredito que, se as mulheres participarem dessa discussão, nós teremos uma oportunidade incrível de explicar nossa sexualidade, de uma maneira explícita e gráfica. Que maneira melhor teríamos para explicar aos homens um assunto que eles não entendem muito bem?
ÉPOCA - A pornografia do futuro será dominada pelas mulheres?
Erika - Os diretores que fazem os pornôs comuns vão continuar expressando seu ponto de vista sobre a sexualidade, que eu aceito e respeito. Eu não estou tentando impor nenhum tipo de censura à pornografia. Só não quero que essa seja a única visão expressa. Eu me tornei mãe recentemente e eu gosto de pensar que, no futuro, na adolescência, minha filha receberá mensagens positivas sobre sua sexualidade, com o ponto de vista e os valores das mulheres representados.
Erika - Nós vivemos hoje em uma sociedade “pornoficada”. A pornografia tem uma presença enorme na internet, é vista nos meios de comunicação de massa, enfim, ela saiu do armário onde esteve escondida por um bom tempo. Nesse contexto, é muito importante que as mulheres tenham uma postura crítica em relação a esse fenômeno. Os valores que são apresentados na pornografia devem ser continuamente analisados e questionados. O que os homens veem e aprendem com os pornôs nos afeta profundamente em nossa vida diária como mulheres. Muitos preconceitos contra a sexualidade feminina vieram do pornô, graças à ausência ou escassez de outras influências. Eu acredito que, se as mulheres participarem dessa discussão, nós teremos uma oportunidade incrível de explicar nossa sexualidade, de uma maneira explícita e gráfica. Que maneira melhor teríamos para explicar aos homens um assunto que eles não entendem muito bem?
Erika - Os diretores que fazem os pornôs comuns vão continuar expressando seu ponto de vista sobre a sexualidade, que eu aceito e respeito. Eu não estou tentando impor nenhum tipo de censura à pornografia. Só não quero que essa seja a única visão expressa. Eu me tornei mãe recentemente e eu gosto de pensar que, no futuro, na adolescência, minha filha receberá mensagens positivas sobre sua sexualidade, com o ponto de vista e os valores das mulheres representados.
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