quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

pornografia e feminismo ...

@Stoya: Feminismo, como tudo no mundo, exceto, talvez, o fato de que o consumo de água faz bem para as pessoas, é uma coisa complexa e cheia de nuances. Adoro muitas partes do feminismo e sou grata às pessoas que são ou foram feministas. Tenho direito de votar por causa do feminismo. Eu me sinto no direito de ir para casa à noite andando sozinha sem ser molestada (quer eu realmente consiga isso ou não) por causa do feminismo. Se posso escolher trabalhar do lado de cá da câmera na indústria do sexo, em vez de qualquer outra carreira, é principalmente por causa do feminismo também. Também devo pontuar que sou branca, de classe média e me encaixo em muitas das categorias de “beleza convencional”. Todas essas coisas me conferem um privilégio imerecido na maior parte dos Estados Unidos e quanto mais perto do topo da pirâmide do privilégio uma pessoa está, mais opções ela tem em aberto para si.

Ter um trabalho que envolve falar com a imprensa significa, inevitavelmente, que tudo, desde minhas visões políticas à minha mania de mascar chiclete, está aberto a debate e discussão. As pessoas me dizem que devo ser feminista, que meu trabalho é feminista, que eu absolutamente não posso ser feminista e, certa vez, disseram que minha vagina devia ser revogada por crimes contra as mulheres.

Para mim, a palavra feminista é repleta de conotações por vezes conflituosas. Quando as feministas lutam pelo direito de todos serem pagos de maneira justa, defendendo especificamente a correção das desigualdades entre o salário para mulheres e para homens, ou defendem o direito de acesso ao controle de natalidade para todas as pessoas com útero eu acho uma coisa maravilhosa. Quando as feministas perseguem alguém que não é biologicamente mulher ou infantilizam as mulheres que fizeram escolhas que as desagradam, eu acho muito ofensivo. Quando as feministas debatem se o ato de passar batom é algo que concede poder às mulheres ou não, eu acho trivial. Mas discordar de alguns dos extremos do feminismo não é a razão pela qual me sinto frequentemente desconfortável em me dizer feminista. Acho conflitante aplicar o rótulo a mim mesma porque raramente faço algo com o propósito específico de promover os direitos das mulheres. Mas evitar dar uma resposta direta sobre se sou feminista ou não é meio que fugir da responsabilidade. Me esquivar desta palavra, para mim, seria ignorar todas as mulheres que lutaram para me dar as vantagens que tenho hoje. Então aí vai: Oi, eu sou a Stoya. Minhas perspectivas políticas e eu somos feministas... Mas meu trabalho não é.

Minhas motivações para trabalhar com pornografia, que são basicamente porque eu quis, não são necessariamente as motivações de todos os trabalhadores do sexo. As mulheres não são todas iguais, as feministas não são todas iguais, os trabalhadores do sexo não são todos iguais, o trabalho sexual não é todo igual e as pessoas não são todas iguais. Isso precisa ser constantemente repetido, porque vejo as pessoas frequentemente (inclusive eu mesma) caírem na armadilha da generalização. É provável que eu já tenha generalizado pelo menos uma vez nesta coluna. Mas vamos voltar a relação entre feminismo e minha escolha de trabalhar na indústria do sexo.

O conceito de escolha pode ser complicado. É diferente escolher entregar sua carteira para alguém que aponta uma arma para sua cabeça e escolher dar dinheiro a alguém por altruísmo ou por querer presentear essa pessoa. Há uma diferença análoga entre entrar para o trabalho sexual por pressões financeiras e falta de outras opções (seja essa falta percebida ou factual) ou se tornar um trabalhador sexual por exibicionismo, desejo pela experiência ou porque você quer mesmo, mesmo, mesmo transar com James Deen, Rocco Siffredi ou quem quer que seja.

Esse segundo cenário, em que alguém escolhe entrar na indústria do sexo por causa da indústria do sexo, é possível graças a todas as portas abertas pelas feministas nos últimos 150 anos. No entanto, minha escolha em trabalhar na indústria da pornografia não faz de mim uma feminista, assim como a escolha de tomar um Advil quando tenho dor de cabeça não faz de mim uma farmacêutica.

Uso meu corpo para fazer pornografia de gênero binário e orientação heterossexual para uma produtora que visa ter o maior apelo às massas possível. Não concordo com tudo na maneira como a pornografia mainstream ou a companhia específica para a qual trabalho operam, mas escolho minhas batalhas. Consumo muitas calorias porque ossos protuberantes no quadril são mais preocupantes do que excitantes para a maioria das pessoas. Também cubro minha pele com uma quantidade insana de meleca com regularidade. Quando chego para filmar, eu me sento numa cadeira e deixo o maquiador e o cabeleireiro fazerem seu trabalho, o de me deixar com a aparência mais convencionalmente sexy possível. Esse processo envolve com frequência cílios postiços e babyliss. Quando eles acabam, eu geralmente calço saltos altos, alguma lingerie fantasticamente impraticável e, às vezes, outras peças de roupas coerentes com qualquer que seja o personagem que interpreto na cena que antecede o sexo.
Depois que o diálogo é gravado, transo com uma ou mais pessoas enquanto a equipe de filmagem captura tudo em vídeo. Meus parceiros sexuais diante das câmeras são pessoas com quem quero fazer sexo e, pelo menos espero, pessoas que querem fazer sexo comigo. Pelo menos uma dessas pessoas quase sempre tem um pênis e a cenas seguem certo arco narrativo. Elas começam com beijos que levam à remoção das roupas. Quando os genitais em questão estão visíveis, o sexo oral é realizado. A penetração sexual (especialmente pênis na vagina) vem depois, em várias posições. Às vezes, mais sexo oral acontece entre as posições e, ocasionalmente, algum sexo anal. Aí o performer masculino ejacula e a cena acaba logo depois, porque o clímax masculino é, bem, um clímax natural e as cenas de sexo em geral não pedem pela conclusão da ação ou um desfecho.

Não há nada que promova intencionalmente o feminismo no material pornográfico que executo. Isso é entretenimento superficial, sem rodeios, que atende a um dos desejos humanos mais básicos. A pornografia existe e não vai deixar de existir num futuro próximo. Não vejo isso como algo que traga em si empoderamento ou desempoderamento para os envolvidos. Aparecer no set de filmagem e fazer meu trabalho não é um ato de feminismo.

Como entretenimento, a pornografia mainstream é tão responsável por educar os espectadores sobre saúde ou etiqueta sexual quanto o Lions Gate é responsável por lembrar às crianças que não é certo matar outras pessoas, apesar do que elas viram no filme Jogos Vorazes. Não faz parte do trabalho do Michael Bay ou da Megan Fox mencionar em cada entrevista que robôs gigantes do espaço são ficcionais, nem é o trabalho de todo artista pornográfico discutir os protocolos de teste de saúde da indústria, ou como o consentimento é dado antes de cada filmagem. No entanto, sinto a necessidade de discutir esse tipo de coisa e outros artistas – como Jiz Lee, Danny Wylde e Jessica Drake – que sentem necessidade de destacar o contexto já disponível dos filmes adultos e fornecer um contexto adicional.

Mas e o alcance maior dos efeitos culturais da pornografia? Não posso desconsiderar inteiramente a acusação de que ver um vídeo no qual vou direto do sexo oral para o anal inspira um ou outro rapaz a enfiar rudemente seu pênis no reto da parceira sem discussão ou cuidado. Sejam lá quem forem, esses tipos de caras estão precisando a oportunidade de serem relembrados de que há diferenças entre a TV e vida real. Em contraste com esses invasores anais babacas, estão as mensagens que recebo semanalmente de que, depois de ver meu corpo ou minha vagina retratados como algum tipo de símbolo sexual, isso fez alguém se sentir mais confortável com seu próprio corpo. Também há mensagens de pessoas que dizem que não sabiam que coisas como sífilis podem ser transmitidas mesmo com o uso da camisinha e agora veem os benefícios de fazer testes regularmente, de pedir os testes dos parceiros além do uso do preservativo.

Enquanto eu gostar de atuar na indústria pornográfica, e os efeitos sociais positivos superarem os negativos, vou continuar fazendo isso. Mas não vamos fingir que atuar na pornografia mainstream é alguma espécie de ato libertador para o sexo feminino.

 

Adeus, britadeira: Os ângulos ginecológicos e as transas a marteladas do pornô tradicional nunca agradaram à sueca Erika Lust. Cansada de categorias como hardcore e extreme, ela decidiu investir em uma nova vertente erótica: a feminista. Nela, já lançou quatro filmes, três deles premiados no Feminist Porn Awards. Cabaret desire, um de seus filmes mais premiados, começa numa noite de leitura de contos eróticos. Erika conversou com a revista Tpm por e-mail e conta, aqui, que tipo de cena merece lugar nos seus roteiros. Também explica por que outras, como sexo anal e gozo no rosto, ficam de fora. “O sexo ainda é uma questão política.” 

 

Tpm. Seus filmes foram pioneiros do pornô feminino. Acha que algum dia a distinção entre pornô para homens e para mulheres vai deixar de existir?

Erika. Acho que o pornô sem rótulos de gênero seria bacana. Mas, honestamente, a diferença de apelo e estética entre os dois tipos é tão evidente que se torna difícil conciliá-los. Espero, em vez disso, que o pornô evolua até uma variedade grande, para todo tipo de público. Hoje vemos uma amostrinha disso na cena independente.

Que tipo de roteiro considera excitante para as mulheres? Não posso falar por todas as mulheres, mas, na minha opinião, são as situações em que a imaginação não precisa ir muito longe para atingir o nível “muito sexy”. Cenas como: uma massagem que se torna sensual, reencontrar um flerte antigo, ver alguém fazendo sexo, ir para a cama com o vizinho com quem você fantasia há meses, essas coisas.

Por que escolheu não usar cenas de sexo anal e de “gozo na cara” em seus filmes? Tento retratar o que eu e as mulheres à minha volta acreditamos ser sexy e excitante. Para mim, esse tipo de cena é irritante. O sexo anal e essas ejaculações exageradas fazem parte do status quo da indústria pornô de tal maneira que o que começou como uma preferência pessoal se tornou uma afirmação política. Se algumas mulheres se excitam com isso, bacana. Mas eu não, então escolho não filmá-las.

Você costumava assistir a filmes eróticos antes de começar a filmá-los? O que achava deles? A pornografia mainstream que via quando jovem – e, mais tarde, na universidade, quando estudava sexualidade e feminismo – era horrível. Mesmo que o filme me despertasse alguma imaginação, o resto era péssimo: o contexto, a fotografia, os personagens e o rumo do sexo. Tudo era tão estéril e previsível, muito diferente das experiências reais de sexo. 

Que filme a excita? Um dos meus favoritos é O amante (1992), de Jean-Jacques Annaud. Se passa no Vietnã, quando o país era colonizado pela França. É baseado na história real de um amor impossível entre uma francesa e um rico negociante chinês. A fotografia ainda prende minha respiração. Sua sensualidade é irresistível.

Vê seu trabalho como algo político? Às vezes, me sinto uma política quando represento o erotismo indie e dissemino a mensagem de uma sexualidade favoravelmente feminina. Então, de um modo estranho, minha formação em ciência política [Erika estudou na Universidade de Lund, na Suécia, uma das mais prestigiadas da Europa] me deu ferramentas valiosas para o meu trabalho. É triste dizer isso, mas o sexo ainda é uma questão política.

Você tem duas filhas. Como planeja falar com elas sobre sexo e erotismo? Minhas filhas são muito novas, então ainda não planejei essa conversa. Mas são duas coisas diferentes e, por isso, pretendo falar sobre erotismo somente após a terceira ou quarta conversa sobre sexo, quando sentir que a base está sólida. Cada criança é diferente, então introduzir esses tópicos vai depender do desenvolvimento delas, não da idade. 

Na sua opinião, o que as mulheres têm a ganhar assistindo a filmes eróticos? Algumas mulheres tiveram experiências ruins com o pornô mainstream e simplesmente dizem: “Não é para mim”. Mas garanto que, se elas encontrarem alguma forma de erotismo que as agrade, o papel do sexo em suas vidas mudará drasticamente. 

Seu último filme, Cabaret desire, venceu cinco importantes prêmios do cinema pornô até agora. Como é ser tão reconhecida como uma das melhores criadoras em sua categoria? Quando você tem vontade e paixão por uma coisa que ninguém mais está fazendo, no começo pode parecer que está nadando contra a corrente, fazendo algo solitário e exaustivo. Por isso, conquistar o reconhecimento com Cabaret desire foi incrível. Além dos prêmios, sou sempre grata aos fãs, que demonstram gostar do que estou fazendo. Isso me impulsiona.

ÉPOCA - Por que a senhora decidiu se dedicar à pornografia?
Erika Lust -
Quando eu comecei a assistir a filmes pornôs, vi um mundo com o qual eu não conseguia me identificar. Sentimentos que eu não sentia, situações que não expressavam a minha sexualidade, nas quais as mulheres eram apenas objetos para o prazer dos homens. Eu não via as mulheres buscando o próprio prazer, não as via representadas da maneira que eu gostaria de ver. Mas, de alguma maneira, aqueles filmes me provocaram. Um ato sexual provoca você - aliás, essa é a ideia do pornô. Alguma parte de mim gostou do que viu, então, eu pensei “Por que aquilo não poderia ser diferente?”. E vi que poderia ser. Se eu posso fazer sexo da maneira que eu quero, por que não posso mostrar desse jeito?

ÉPOCA - Que elementos um filme tem de ter para ser definido como feminista?
Erika - Eu acho que não importa se chamamos um filme de “pornô feminista” ou “pornô para mulheres”. Eu luto para as mulheres terem voz no audiovisual adulto. A única coisa que importa é podermos falar. E eu sei bem o que as minhas amigas e eu não queremos ver: caras mafiosos, armas, prostitutas, mansões enormes, garotas com silicone, carros esportivos.... Nós não precisamos dessas coisas para nos excitarmos. Nós queremos pessoas reais, vivendo situações reais. Nós queremos saber por que essas pessoas estão fazendo sexo.

ÉPOCA - Os pornôs feministas podem mudar a visão da sociedade sobre a sexualidade da mulher?
Erika - Nós vivemos hoje em uma sociedade “pornoficada”. A pornografia tem uma presença enorme na internet, é vista nos meios de comunicação de massa, enfim, ela saiu do armário onde esteve escondida por um bom tempo. Nesse contexto, é muito importante que as mulheres tenham uma postura crítica em relação a esse fenômeno. Os valores que são apresentados na pornografia devem ser continuamente analisados e questionados. O que os homens veem e aprendem com os pornôs nos afeta profundamente em nossa vida diária como mulheres. Muitos preconceitos contra a sexualidade feminina vieram do pornô, graças à ausência ou escassez de outras influências. Eu acredito que, se as mulheres participarem dessa discussão, nós teremos uma oportunidade incrível de explicar nossa sexualidade, de uma maneira explícita e gráfica. Que maneira melhor teríamos para explicar aos homens um assunto que eles não entendem muito bem?

ÉPOCA - A pornografia do futuro será dominada pelas mulheres?
Erika -
Os diretores que fazem os pornôs comuns vão continuar expressando seu ponto de vista sobre a sexualidade, que eu aceito e respeito. Eu não estou tentando impor nenhum tipo de censura à pornografia. Só não quero que essa seja a única visão expressa. Eu me tornei mãe recentemente e eu gosto de pensar que, no futuro, na adolescência, minha filha receberá mensagens positivas sobre sua sexualidade, com o ponto de vista e os valores das mulheres representados.

#

Nenhum comentário:

Postar um comentário